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Novena do Carmo

Padre José Maria Xavier, João José das Chagas, Jerônimo de Souza Lobo e Manoel Camelo
Orquestra Ribeiro Bastos

Track NameNovena do Carmo
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Gravação de som realizada nos dias 12 de abril e 18 de maio de 1980 na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em São João del-Rei, Minas Gerais (2 microfones AKG DIX0, gravador Revox A77, fita Scotch206). Montagem de fita no estúdio de Travessia - Oficina de Música, São Paulo. Matrizado e prensado na Tapecar. Gravação, montagem e supervisão da edição: Conrado Silva. Lay-out e Arte final: José Paulo Costa. Capa impressa na Gráfica Myara. Edições Tacape. Brasil, 1980. 

Capa e Encarte

Textos do Encarte

NOVENA DO CARMO 

Novena do Carmo - Séculos XVIll e XIX 

 

FACE A 

Padre José Maria Xavier (Século XIX) 

1. Veni 

2. Domine 


Jerônimo de Souza Lobo (Século XVIII) 

3. In honorem 


Padre José Maria Xavier (Século XIX) 

4. Virgem Sagrada 


Manoel Camelo (Século XVIII) 

5. Flos Carmeli 


 

FACE B 

João José das Chagas (Século XVIII - XIX) 

1. Virgem Sagrada 


Jeronimo de Souza Lobo (Século XVIII) 

2. Veni e Domine 

3. Flos Carmeli 

4. Regina Mundi 

 

Orquestra Ribeiro Bastos 

Regente: José Maria Neves 

 



Este é o terceiro disco da Orquestra Ribeiro Bastos de São João del-Rei, e o segundo  realizado graças ao apoio da Fundação Roberto Marinho, dentro de seu programa  de Preservação da Memória Nacional. 


Tal lançamento faz-se importante por três razões. Inicialmente, por ser a primeira versão fonogrática de obras de três compositores setecentistas ainda pouco conhecidos (Padre Manoel Camelo, Jerônimo de Souza Lobo e João José das Chagas), além de incluir peças do compositor sanjoanense mais famoso, o oitocentista Padre Jose Maria Xavier. 


Em segundo lugar, este disco participa das homenagens ao quarto centenário da chegada dos padres carmelitas no Brasil, em 1580. As diferentes comunidades carmelitanas contribuíram em muito para a atirmação de nossa nacionalidade e para o desenvolvimento das artes brasileiras em movimento descrito de modo claro e sintético por Frei Tito Medeiros, no encarte deste disco. 


Por fim, este disco é um documento musicológico de grande importância por ser um  registro sem retoques da realidade musical de São João del-Rei, onde, a cada ano, de 7 a 16 de pulho, celebra-se a novena e a testa de Nossa Senhora do Carmo, sendo executadas em todas as cerimônias as obras aqui gravadas. A Orquestra Ribeiro Bastos, que, em virtude de contratos com esta Ordem Terceira e com outras entidades religiosas locais, contribui para que se mantenha viva a tradição musical da cidade, faz com que a música mineira do passado exista e possa ser estudada não só através do frio documento escrito, mas também através de uma tradição interpretativa que se transmite de geração em geração. Esta corporação nascida no século XVIII com características profissionais, atua ininterruptamente até hoje, como conjunto amador, sendo uma das responsáveis pela preservação de nossa memória musical 


Paulo Cunha Menezes 

 

 

As obras apresentadas neste disco fazem parte do acervo de agremiações musicais bicentenárias da região de São João del-Rei, Prados e Tiradentes. Esse acervo de partituras e documentos referentes a arte sacra mineira to1 pesquisado e microfilmado pela PUC/RJ e pela FUNAR TE. A posterior classificação e indexação deste trabalho de microfilmagem resultou na edição, pela Xerox do Brasil, com o apoio da Fundação Roberto Marinho, do catálogo "O Ciclo do Ouro - O Tempo e a Música do Barroco Católico" 

 


Capa: 

"Armas da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo" (madeira policromada), Igreja Nossa Senhora do Carmo de São João del-Rei, Minas Gerais.  Arquivo PUC/RJ.  Fotógrafo: ]. Levindo Carneiro. 

 


As Razões de uma Comemoração 

 

A Família Carmelitana no Brasil está constituída por duas Ordens Religiosas masculinas e duas Ordens Religiosas de Monjas Contemplativas de Clausura – aqueles espalhados em onze estados da Federação e no Distrito Federal, em paróquias, colégios, seminários, obras de promoção humana, equipes de pastoral diocesana, na pregação de retiros, no acolhimento que dão em suas comunidades a todos quantos desejam passar uns dias no silêncio e no recolhimento; estas, em mais de trinta Mosteiros, no cultivo da oração, da imolação de suas vidas ao contato mais intenso com o Absoluto, e à disposição de todos quantos vão lá em busca de orações, conforto espiritual, de alguém que os escute. 


Mas nossa presença não para aqui: temos igualmente seis Congregações Religiosas femininas, que exercem apostolado ativo em paróquias, equipes de pastoral, presentes em pequenas comunidades no meio do povo em bairros da periferia das grandes cidades, em escolas, orfanatos e outros serviços, além dos grupos de adultos e jovens agregados à Ordem pelo Brasil afora, como Terceiros Carmelitas, Fraternidades Carmelitas, Confrarias do Escapulário e outras. 


Toda esta Família em conjunto se acha unida na comemoração dos quatrocentos anos de sua chegada em nosso país. 


Vindos de Portugal, na armada de Frutuoso Barbosa, quatro religiosos de nossa Ordem aportaram em Olinda Pernambuco, em 1580, lá construindo o primeiro Convento do Carmo no Brasil, cuja igreja continua de pé e já está sendo um dos pólos das comemorações jubilares. Outros Conventos logo se lhe seguiram, de modo que no século XVIII a Ordem contava com quatro Províncias: Grão-Pará, com missões entre os indígenas em toda a margem do Rio Negro; Pernambuco, abrangendo casas nesta Capitania e na da Paraíba; Bahia, abrangendo esta capitania, incluindo casas no futuro estado de Sergipe; e Rio de Janeiro, com casas neste estado e no de São Paulo. Neste mesmo século aportam os Carmelitas Reformados, estabelecendo-se em regiões idênticas. A eles se seguem as Monjas de Clausura. 


Eminentes homens surgiram ao longo destes anos, alguns registrados pela história, outros ocultos no afã da realização da obra comum, como na catequese dos índios, na Amazônia, onde Frei José das Chagas, por exemplo, aprende a língua e a música indígenas, e ei-lo pelos igarapés, reunindo os habitantes das malocas com sua música. Foi um grande defensor e protetor dos índios e de sua cultura, contrário à política das reduções, como mandava o projeto colonizador português, sancionado quase sempre pela Igreja. Foram os Carmelitas do norte do país os grandes vacinadores dos índios contra a varíola, destacando-se Frei josé da Madalena neste serviço, como confessam alguns viajantes, citados por André Pratt em Notas Históricas sobre as Missões Carmelitas no Extremo Norte do País. 


Em Pernambuco temos o frei João de S. José, fundador do Convento do Recife e introdutor da Reforma Turônica no Brasil; Frei Manoel de Santa Catarina, carmelita olindense, insigne teólogo e orador sacro, Provisor e Governador do Bispado de Pernambuco entre 1715 e 1720, nomeado Bispo de Angola, posteriormente; Dom Frei Pedro de Santa Maria Mariana, preceptor de D. Pedro II em sua minoridade. Nomeado, por este Monarca, Bispo do rio de Janeiro, recusou o cargo. Posteriormente, foi escolhido por Gregório XVI Prelado Doméstico e Bispo Assistente do Sólio Pontifício, em 1843. Ainda no século XIX avultam os nomes de Frei Joaquim do Amor Divino Rabello Caneca – Frei Caneca -, cujo nome está presente nas ruas de nossas maiores e ma0is antigas capitais, mártir da Pátria, polemista e grande orador sacro, gramático e cultivador da ciência política liberal e paladino da Democracia Participativa e Racial, executado em 13 de janeiro de 1825, no malogro da Confederação do Equador; Frei José Brayner, amigo de Frei Caneca, companheiro deste na revolução de 1817, comandante de tropas na campanha do Cabo. Por seus serviços prestados à causa da liberdade, é nomeado Capelão Militar pelo Monarca D. Pedro I, com graduação de Capitão; Frei Leandro do Sacramento, licenciado em Ciências Naturais pela Universidade de Coimbra, depois transfere-se para o Rio de Janeiro, onde é nomeado professor de botânica da Academia Médio-Cirúrgica daquela cidade, e tem como sua maior glória a fundação e primeira direção do Jardim Botânico do Rio de Janeiro; foi ele quem introduziu a cultura e a preparação do chá, no Brasil; Frei Lino do Monte Carmelo, Vigário Provincial da ordem em Pernambuco, autor de vários escritos, entre os quais a Memória Histórica e Biográfica do Clero Pernambucano; foi ainda sócio instalador e efetivo do Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco, sócio do Gabinete Português de Leitura e fundador da Biblioteca Provincial, depois Biblioteca Pública do Estado, que se instalou de início no Convento do Carmo do Recife, em 24 de março de 1860. Poderia fechar esta lista com Frei Carlos de S. José e Souza, amigo pessoal de Frei Caneca, seu assistente nos últimos momentos, professor de Filosofia e Teologia, Examinador da Cúria de Olinda dos candidatos ao sacerdócio e, em 1843, nomeado Bispo do Maranhão. 


Não só os Carmelitas, mas alguns Conventos têm-se destacado na prestação de serviços às comunidades locais. Assim é que no Convento do Carmo do Recife, além da Biblioteca Pública, foi fundada em suas dependências a Sociedade de Medicina de Pernambuco, em 1841; o Liceu Provincial, atual Ginásio Pernambucano, fundado em 1826, funcionando naquele Convento até 1844; parte do mesmo convento se converteu hospital durante a epidemia de cólera que assolou Pernambuco em 1856, no curso da qual vários carmelitas deram provas de heroísmo e dedicação às populações afetadas, no Recife e cidades vizinhas. Atualmente, o Carmo do Recife abriga o Projeto Espiral, promoção do Instituto Nacional de Música da FUNARTE, em convênio com a Universidade Federal de Pernambuco e com a Secretaria de Educação e Cultura do Estado, e o Centro de Estudos das Raízes Religiosas do Nordeste, recém-fundado, dando seus passos iniciais, num incentivo futuro à pesquisa de nosso ethos cultural-religioso. No convento de Belo Horizonte, realiza-se um trabalho importantíssimo de centralização e catalogação de nossos arquivos históricos, livros de tombo, documentos etc. Além disto, está se processando a publicação de um coletânea de estudos da Espiritualidade e História da Ordem. 


No Convento do Carmo de Salvador, Bahia, há anos vem funcionando um Museu de Arte Sacra, em constante ampliação, com um importante acervo em estatuária, prataria, além de abrigar um centro de produção de artesanato em prata. Na vizinha Ordem Terceira do Carmo, encontra-se acervo igualmente importante. No Convento do Carmo Camocim de São Félix, Pernambuco, existe um apreciável museu polivalente, com uma seção de mineralogia, taxidermia, moedas e curiosidades regionais. 


Quanto à atividade musical dentro da Ordem, pouca coisa existe de registrada a respeito. Podemos afirmar, sem medo de erro, que ela não foi a preocupação predominante, dado que o esplendor e apuro no culto, através de salmodias e outros tipos de música, não é a característica da Ordem do Carmo, mais voltada para combinar, no seu modo de vida, as raízes eremíticas com as exigências do apostolado missionário, catequético, paroquial e educacional, comum às Ordem Medicantes, entre as quais os carmelitas foram incluídos pela Igreja, quando sua transferência da solidão do Monte Carmelo, na Palestina, para a Europa, no século XIII. Mesmo assim vamos notar, nas Missões do Rio Negro, no século XVIII, a música sendo empregada na catequese e formação comunitária indígena. Aludimos ao exemplo de Frei José de Chagas, tocando instrumentos dos índios em suas viagens missionárias. Este religiosos deixou, ao morrer, um órgão para a Igreja do Carmo de Belém. Encontramos no livro supracitado de Pratt uma notícia sobre a educação musical das índias, tanto as internas um recolhimento secular, quanto as externas, na Missão de Aldeinha, dirigida por seu fundador, Frei Matias de Aldeinha, dirigida por seu fundador, Frei Matias de S. Boaventura. A educação musical era confiada ao capitão Francisco Xavier d’Andrade, e era tão intensiva que este chegou a formar um coral à capela, “sem haver Psalmo, hymno ou motete de uso Eclesiástico que o não soubessem”. Até instruiu na música a índia Custódia, que era neta do Principal (cacique) Comandry, e que aprendeu a tocar órgão de tabocas, instrumento por ele inventado. 


Utilizando referências da obre de Iza Queiroz Santos – Origem e Evolução da Música em Portugal e sua Influência no Brasil – anotamos os seguintes músicos carmelitas dos séculos XVII a XIX: 


Frei Euzébio da Soledade, baiano, irmão do Gregório de Mattos. Nascido em 1620, entrou para a Companhia de Jesus, trocando-a pela Ordem do Carmo em 1677. Considerado o primeiro grande musicista de sua terra natal, compôs hinos religiosos e cantos profanos, sobre poesias próprias, pois era notável poeta, além de grande prosador e orado. Tocava harpa e viola, pintando e desenhando com igual maestria. Morreu em 1692. Frei José Pereira de Santana, grande cronista e excelente músico, compôs muitas obras sacras e modinhas, que tiveram voga no Brasil. Nasceu em 1696, no Rio de Janeiro, estudou em Coimbra, tendo recebido o grau de Doutor em Teologia em 1725. Faleceu em Portugal, como lente da Universidade e confessor da Família Real, em 1759. Frei Justiniano de Santa Delfina, que entrou pra a Ordem mais ou menos em 1804, ordenou-se padre em 1810, tendo estudado filosofia e teologia no Convento do Carmo do Rio de Janeiro. Foi organista até sua morte, ocorrida entre 1818 e 1821. 


Graças à admirável obre de Curt Lange, podemos começar hoje a acompanhar de perto o movimento musical em Minas Gerais, nos séculos XVIII e XIX, E é nesta Província que vamos encontrar, seguramente, a atividade musical, nas Igrejas do Carmo, mais intensa do Brasil Colônia. É sábio que as Ordens Religiosas não puderam penetrar em Minas no período da mineração. No entanto, floresceram as Ordens Terceiras e Confrarias destas mesmas Ordens, assistidas por padres do clero secular, que freqüentemente vestiam o hábito da Ordem Terceira. Estas Ordens Terceiras recebiam visitas dos padres das Ordens respectivas. Assim foi que os Terceiros Carmelitas das Minas Geras dos séculos XVIII e XIX nos legaram obras em arquitetura, escultura, estatuária, prataria, pintura e música de inegável valor, realizadas por eles mesmo ou contratadas a preços generosos aos artistas mais destacados da Província. Deste modo, nomes como os de José jJoaquim Emerico Lobo de Mesquita, Jerônimo de Souza Lobo, Padre João de Deus de Castro Lobo, Padre Dr. Manoel Camelo e Francisco Gomes da Rocha estão ligados à produção musical para as festas religiosas da Ordem Terceira do Carmo de Ouro Preto, enquanto que o Padre José Maria Xavier e outros se ligam a Igreja so Carmo de São João del-Rei. 


Tendo como pseudônimo Um Religioso Carmelita, um confrade da Província de Pernambuco deixou-nos páginas de grande beleza para a Novena e para as Vésperas Solenes de Nossa Senhora do Carmo, que eram cantadas na Basílica do Carmo de Recife. Tais peças se inspiram no estilo do classicismo, comum aos nossos compositores da primeira metade do século XIX. Ainda na mesma Província, no primeiro quartel do século XX, viveu o espanhol Frei Carmelo Codignac, autor de Missas e de um Te Deum. Quase contemporaneamente, na Provínia Carmelita de Santo Elias, Frei Alberto Nicholson, grande organista e compositor nascido na Holanda, produziu motetes para a novena do Carmo, cantados em nossa Basílica do Carmo de São Paulo, além de Te Deums, motetes outros e corais de circunstância para festividades da Ordem. 


Como atividades musicais no Carmelo do Brasil, atualmente destacam-se o Coral do Carmo do Recife, funcionando no Convento do Carmo, já com tirnta anos de atividades, detentor de vários troféus em festivais internacionais, como o Encontro Interamericano de Corais de Porto Alegre, tendo se apresentado por duas vezes no Teatro Colón e em outros locais, em Buenos Aires, catando também no Uruguai, Peru e Portugal. Em segundo lugar, o Coral do Carmo de Belo Horizonte, recém-fundado, que promete uma carreira brilhante, pelas figuras expressivas da música coral mineira que possui em seu plantel. 

 

Fr. Tito Figueirôa de Medeiros



Novena do Carmo em São João del-Rei 

 

Não se sabe exatamente desde quando se realizam as Novenas do Carmo, em São João del-Rei. O que é certo é que, em 1733, quando começou a ser construída a capela primitiva, já existia a Irmandade dedicada ao culta do Nossa Senhora do Carmo. Essa irmandade passou à categoria de Ordem Terceira em 1746. 


A julgar pelas obras musicais executadas nestas solenidades, é lícito supor que desde o início do século XVII já existisse esta novena. Diversas das obras executadas ainda hoje são de autoria de Jerônimo de Souza Lobo (Vila Rica, falecido em 1803), e um dos fragmentos da novena, o hino Flos Carmeli, não executado há muito tempo, é atribuido ao Padre Dr. Manoel Cabral Camelo, que em 1719 benzeu a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de São João del-Rei.  


O serviço musical da Ordem Terceira carmelita é feito há mais de cinqüenta anos pela Orquestra Ribeiro Bastos, em substituição à Orquestra Lira Sanjoanense, antes responsável pela parte musical das festividades. Pode-se supor, entretanto, que anteriormente era a Orquestra Ribeiro Bastos a titulas destas festividades, tendo em vista que as cópias antigas desta Novena, existentes no arquivo da Orquestra Ribeiro Bastos, foram feitas pelo Mestre Chagas, regente desta Orquestra até 1859. 


A Novena é uma solenidade religiosa da estrutura menos definida e rígida que as celebrações litúrgicas. Enquanto que estas ((aí estando incluindo o Ofício Divino, do qual fazem parte as Matinas), representam a prece oficial católica, as novenas juntam-se a outras celebrações de cunho mais devocional. 


Sua origem e explicação podem ser encontradas na Bíblia, em narração contida nos Atos dos Apóstolos (1,4 a 14): no momento de subir ao céu, Jesus ordenou aos discípulos, que se mantivessem unidos em oração, para esperar a vinda do Espírito Santo, tendo-se transcorrido nove dias até Pentecostes. Esse fato e o costume dos pagãos do início do cristianismo de guardar nove dias de luto fizeram com que o número nove ganhasse significação especial. E, desde os tempos primitivos, nasce o costume de preparar com nove dias de orações a chegada de uma festa importante. A primeira das novenas a serem celebradas foi, precisamente, a Novena do Espírito Santo, nos nove dias que precedem a festa de Pentecostes.  


Comparando textos de diferentes épocas, constata-se logo que a composição da Novena de Nossa Senhora do Carmo, em São João del-Rei, foi bastante variável, com acréscimo de alguns elementos e eliminação de outros. De acordo com o documento mais antigo do acervo da Orquestra Ribeiro Bastos, a Novena do Carmo de Jerônimo de Souza Lobo, vê-se que a novena se compunha, então, de: Veni Sancte Spiritu, Domine ad adjuvandum, Invitatório (In honorem), Antífona (Regina Mundi), 3 Ave Marias cantadas, Ponto (leitura de meditação), Ladainha de Nossa Senhora e Hino (Flos Carmeli). Um segundo hino (Virgem Sagrada, em português) foi incluído depois no caderno das partes desta novena, existindo duas obras escritas sobre o mesmo texto, ambas sem identificação de autor nas cópias. Mas este hino já existia no tempo de Jerônimo de Sousa Lobo, encontrando-se incluído em cópia desta novena feita na segunda metade do século XIX (documento pertencente também ao arquivo da Orquestra Ribeiro Bastos).

 

Com relação aos dois hinos Virgem Sagrada incluídos nos cadernos antigos da novena, um é certamente obra do Padre José Maria Xavier; o outro, copiado em versão para quatro vozes e orquestra, havia sido atribuído, em versão original para dois coros mistos alternados, a Manoel Dias de Oliveira (Tiradentes, falecido em 1813). Preferimos, entretanto, com base em cópias feitas no século XIX e pertencentes ao arquivo da Orquestra Ribeiro Bastos, considerá-lo obra de João José das Chagas, músico atuante na Igreja de São Francisco de São Joaõ del-Rei em 1827, tocando em corporação musical que daria origem à Orquestra Ribeiro Bastos. Na coleção de manuscritos desta obra está escrito: “Consta esta música de 8 vozes, 3 violinos, 1 flauta, 1 clarineta, 2 trompas e 1 baixo (...) Virgem Sagrada composta pelo Senhor João José das Chagas”. 


Além deste hino, foram ainda incluídas três invocações  

(Deus vos salve, Filha de Deus Pai/Deus vos salve, Mãe de Deus Filho/Deus vos salve, Templo da Santíssima Trindade), cantadas primeiro pelos músicos e logo repetidas pelo povo. Ao que parece, estas invocações antes faziam parte da introdução do Terço cantado, logo após o Creio em Deus Padre. No Terço, estas invocações eram seguidas, cada uma, do canto de uma Ave Maria. Pode-se pensar que o mesmo tenha acontecido, em certa época, no momento das três Ave Marias da novena. Depois, estas invocações teriam passado a ser elementos isolados. As três Aves Marias foram, durante muito tempo, sete, “em memória das sete vezes que Jonas observou no Carmelo até ver a nuvem”. 


Acrescentou-se também, já no século XX, o Hino à Bandeira de Nossa Senhora do Carmo, de autoria do padre carmelita holandês Frei Alberto Nicholson, com letra em português do terceiro carmelita Ir. João Calybita. Este hino é cantado, hoje, no início e no fim de cada cerimônia. 


No século passado, o Padre José Maria Xavier compôs o Veni e o Domine do Carmo, que desde então passaram a substituis as peças originais de Jerônimo de Souza Lobo. Tradicionalmente era cantada uma Ladainha de Nossa Senhora antes do hino (Flos Carmeli), tendo sido abolida recentemente da sequëncia dos elementos da novena. A atribuição de um dos hinos Flas Carmeli ao Padre Dr. Manoel Cabral Camelo, citado como vigários de vara de São João del-Rei no início do século XVIII, se baseia em dias anotações em cópias antigas da novena: na parte de trompa, na página anterior a este hino vem escrito "Volte para a Antiphona que hé feita pelo Mel. Camelo”, e na parte do ontralto, sobre a música, vem a indicação “Antiphona pelo Dr. Mel. Camelo” indicado nas cópias desta antífona, que na verdade é o hino da novena? 


Só esta Flos Carmeli for mesmo de autoria do Padre Manoel Camelo, trata-se da obra musical mais antiga encontrada até agora em Minas. Em termos estilísticos, entretanto, esta peça coloca situação problemática ou a orientação pré-clássica já aparecia em Minas nos primeiros anos do século XVIII, sem presença de traços característicos do barroco musical, ou esta obra foi composta por outro Dr. Manoel Camelo, que teria atuado muitos anos mais tarde que seu homônimo, o Vigário da Vara de São João del-Rei no começo do século XVIII. 


Como em quase todos os documentos musicais dos arquivos mineiros, as cópias antigas desta Novena do Carmo – que, como se viu, compõem-se de obras de vários autores – trazem assinaturas de instrumentistas e cantores que participaram das novenas e, eventualmente, observações sobre fatos do momento. Assim, no ano de 1950, acontecendo o início da novena poucos dias depois do falecimento do Maestro Telêmaco Neves, regente da orquestra, aparece na parte do contralto: “Recordações das Novenas do Carmo do ano de 1950, o ano de tristeza para nós, pois a Orquestra R. Bastos está enlutada com a morte do Sr. Telêmaco. Nilza”; o Maestro Emílio Viegas, que assumiria por longos anos a direção do grupo, deixou escrito: “O primeiro ano que fizemos a música do novenário de N. Sra. do Carmo sem a presença querida e credenciada do nosso Telêmaco Neves, da saudosa memória, tendo falecido a 24 do mês próximo passado. Milico Viegas. 15/7/1950”. 


Todos os anos, de 7 a 15 de julho, a Orquestra Ribeiro Bastos sobe ao coro da Igreja do Carmo para, com grande participação de irmãos e irmãs da Ordem Terceira e do povo, cantar esta novena. No dia da grande festa, 16 de julho, é cantada a Missa e, à noite, depois da procissão, o Te Deum de encerramento das festividades. 


Neste disco, em razão da óbvia limitação de seu tempo de duração, não seria possível gravar a novena inteira. O Hino à bandeira de Nossa Senhora do Carmo deixou de ser gravado por ser obra muito recente e sem relação estilística com o resto da novena. Não se gravou as invocações Deus vos salve e as Ave Marias cantadas, por exigirem a participação do povo e também por razões de ordem estilística, uma vez que estas músicas pertencem mais à tradição oral. Optou-se, ao contrário, por gravar o Flos Carmeli atribuído ao Padre Camelo e o Virgem Sagrada de João José das Chagas, ainda que estas obras não sejam mais cantadas nas novenas há tempos. Estes dois hinos juntam-se, neste disco, às demais peças compostas para a Novena do Carmo por Jerônimo de Souza Lobo e pelo Padre José Maria Xavier, abrangendo cerca de centos e cinquënta anos de música mineira, partindo dos primeiros anos do século XVIII, com o Padre Manoel Camelo, passando por Jerônimo de Souza Lobo (fim do século XVIII) e João José das Chagas (início do século XIX) e terminando, em meados do século XIX, com o Padre José Maria Xavier. 


A Orquestra Ribeiro Bastos de São João del-Rei é uma das corporações musicais mais antigas de nosso país. Originando-se na segunda metade do século XVIII na atividade de pequeno grupo que prestava serviço, sob contratos, a Ordens Terceiras e Irmandades religiosas, o grupo atuou de maneira profissional durante o período áureo de mineração. Mais tarde, com o empobrecimento da região, o amadorismo verdadeiro, o gosto pela prática musical garantiu a sobrevivência da corporação, que nunca interrompeu suas atividades. Ainda hoje a Orquestra Ribeiro Bastos está ligada por contratos às Ordens Terceiras do Carmo e de São Franscisco e às Irmandades do Santíssimo Sacramento e de Passos, assegurando a parte musical de três missas semanais, das novenas e festas religiosas das Irmandades e Ordens Terceiras e, em particular, responsabilizando-se por todos os ofícios da Festa de Passos e da Semana Santa, preservando, assim, o acervo musical legado pela tradição e guardado zelosamente, em seus arquivos. 


Textos:  


Veni, Sancte Spiritus 

Veni, Sancte Spiritus, reple tourum corda fidelim et tui amoris in eis ignem accende. Alleluia. 

Vem, Espírito Santo, enche os corações de teus fiéis e acende neles o fogo do teu amor. Aleluia. 


Domine 

Domine ad adjuvandum me festina/Gloria patri et Filio et Spiritui Sancto/Sicut erat in principio et nunc et semper et in saecula saeculorum. Amem 

Senhor, ve logo em meu auxílio/Glória ao pai, ao Filoho e ao Espírito Santo/Assim como era no princípio, agora e sempre e por todos os séculos dos séculos. Amém. 


Invitatório: In honorem 

In Honorem Beatissimae. Marie Virginis, Dei et Carmeli genitricis/Jubilemus Domino. 

Em honra da Beatíssima Virgem Maria, mãe de Deus e do Carmelo/Cantemos com júbilo ao Senhor. 


Hino: Flos Carmeli 

Flos Carmeli, vitis florigera, splendor coeli, Virgo puerpera, singularis, Mater mitis, sed viri nescia, Carmelitis da privilegia, Stella maris. 

Flor do Carmelo, videira florígera, esplendor do céu, Virgem puerpera, singular, Mãe bondosa, mas sem conhecer varão, dá privilégios aos c armelitas, Estrela do mar.  


Antífona: Regina Mundi 

Regina Mundi, dignissima Maria, Virgo perpetua quae genuiti Christum Dominum Salvatorem omnium et Carmelitarum Ordinem ad ubera lactasti, intercede pro nostra pace et salute. 

Rainha do Mundo, digníssima Maria, Virgem perpétua, que geraste a Cristo Senhor, Salvador de todos, e que amamentaste em teu peito a Ordem dos Carmelitas, intercede por nossa paz e salvação. 


Hino: Virgem Sagrada 

Virgem Sagrada, Cândida Senhora, (dos Carmelitas) Mãe e Protetora; dos que vos amam, aceitai, agora, dignos louvores / São mais os vossos ínclitos favores, do que brotaram no Carmelo flores; não teve o mundo tantos nem maiores de outra criatura. 


Desde que Elias viu na nuvem pura (vestígio humano), creu que era figura da vossa imensa, rara formosura já prevenida / Na sua idéia fostes conhecida, Mãe de tais filhos, antes de nascida; em vós exemplo teve para a vida religiosa. 


Não se conhece Mãe tão amorosa (que dos seus filhos) seja mais zelosa; todas as graças que o Carmelo goza, a vós as deve / Já, pois, Senhora, que ventura teve o vosso amparo, nesta vida breve; o mesmo amparo para o céu nos leve depois da morte. 


O vosso auxílio sempre nos conforte, (em vós tenhamos) o seguro norte, para gozarmos melhorada sorte na eternidade / A Deus Supremo, que é, na realidadé, Trino em Pessoas, única entidade, cantemos todos com solenidade (2), glórias perenes. Amém. 


José Maria Neves 

Abril de 1980 

 

(1) Nos hinos gravados, os autores abandonaram os trechos entre parênteses. 

(2) “Com solenidade” substituído pelos autores por “sim, juntos cantemos”. 



ORQUESTRA RIBEIRO BASTOS 

 

Violinos I 

Geraldo da Costa Lima - Alfaiate 

Jorge Chala Sade - Comerciante 

Luiz Antônio Braga - Estudante 

Milton Couto - Industriário 

 

Violinos II 

Amarildo Miranda - Estudante 

Carmelita Neves Damasceno – Do lar 

Genpesio Zeferino da Silva - Comerciante 

Lúcia Souza Gomes – Do lar 

Mário Carvalho Silva - Advogado 

Luzia Perreira – Do lar 

Paulo Moreira – Militar 

Paulo R. de Miranda Filho - Estudantes 

Ruth Moreira Neves - Funcionária Pública 

 

Violas 

Adilson Santos - Estudante 

Aparecida Alves – Do lar 

Cecília Moreira Neves - Funcionária Pública 

 

Violoncelo  

Anacleto G. Pimenta – Estudante 

 

Contrabaixos 

Abílio R. da Silva - Músico Militar 

William Claret Magalhães - Estudante 

 

Flautas 

Joaquim da Rocha – Professor 

Nilson P. Castanheira – Professor 

 

Oboés 

Raimundo Nonato dos Passos – Estudante 

Rubens Farnese - Bancário 

 

Clarinetas 

João Bosco d’Assumpção - Estudante 

Sadik Haddad – Comerciante 

Wilson de Oliveira – Tipógrafo 

 

Trompetes 

Hercy Alves de Aquino – Professor 

José Antônio da Costa – Pinto 

 

Trompas 

Francisco Gomes Damasceno – Músico Militar 

Francisco R. dos Santos – Professor 

Ubiratã Vale B. Braga – Estudante 

 

Trombones 

João da C. Vallim – Bombeiro Hidráulico 

José Santana de Carvalho - Músico Militar 

 

Bombardino 

José Pereira - Músico Militar 

 

Sopranos 

Alcina do Carmo M. Rezende – Professora 

Anália da Silva – Costureira 

Diva Alves - Gráfica 

Elza C. Magalhães - Operária 

Maria Stella Neves Valle – Professora 

Selma Regina da Silva – Enfermeira 

Yara Vale B. Braga – Professora 

 

Contraltos 

Alzeni Zanetti Bahia – Modista 

Anna Maria N. L. Parsons – Hoteleira 

Aryane Bouchardet – Estudante 

Katia Rabelo Benatti – Estudante 

Maria José Valim - Funcionária Pública 

Mercês Bini Couto - Professora 

Nilcéia Neves – Enfermeira 

Nilza Andrade - Operária 

Maria Martha M. de Rezende – Estudante 

Suely Aparecida C. Franco – Estudante 

 

Tenores 

Antônio Ávila - Professor 

José Eugênio Ferreira - Operário 

José Raimundo Ávila - Professor 

Luiz Carlos Ferreira – Pedreiro 

Miguel Randolfo Ávila - Escultor 

Reginaldo A. dos Passos – Estudante 

Tarcísio Camelo da Silva – Estudante 

 

Baixo 

Antônio Roberto da Silva – Estudante 

Ary Rodrigues – Professor 

Edmundo da Silva Filho - Ferroviário 

Ely Henriques Barbosa - Funcionário Público 

Leone Neves Lombello – Estudante 

Luiz Fernando Contin – Professor 

Sérgio Luiz da Silva – Estudante 

Vicente Valle – Cabelereiro 

 

Regentes 

José Maria Neves – Professor 

Maria Stella Neves Valle - Professora 

 


Pró-Reitoria de Extensão e Cultura | UFSJ

Programa de Extensão Sons das Vertentes | 2023
Departamento de Música

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