
Missa a 5 Vozes
Antônio dos Santos Cunha
Orquestra Ribeiro Bastos
Face A
Kyrie / Glória / Laudamus / Gratias agimus
Face B
Domine Deus / Qui tollis / Qui sedes / Quoniam / Cum Sancto Spiritu
Capa e Encarte
Textos do Encarte
MISSA A 5 VOZES
ANTÔNIO DOS SANTOS CUNHA - ORQUESTRA RIBEIRO BASTOS
Face A
Kyrie / Glória / Laudamus / Gratias agimus
Face B
Domine Deus / Qui tollis / Qui sedes / Quoniam
Cum Sancto Spiritu
Marly Spiller - soprano / soprano
Maria Antonieta Andrade - contralto / contralto
Ricardo Tuttman - tenor / ténor
Ataide Beck - baritono / baryton
ORCHESTRE RIBEIRO BASTOS
Regente José Maria Neves
Foto de Hilmar Toscano.
Forro da nave de Igreja de São Francisco de Assis. Ouro Preto -. Obra de Manuel da Costa Ataide. Século XVIII, estilo Rococó.
ORQUESTRA RIBEIRO BASTOS
Já é quase habitual associar-se a música colonial mineira ao nome da Orquestra Ribeiro Bastos, em razão das inúmeras apresentações do repertório desta época realizadas por este grupo nos quatro cantos do país e pela divulgação trazida pela difusão de seus discos. Mas isto não representa a verdade. Ainda existem e atuam em Minas Gerais outras corporações musicais antigas, que prolongam a antiga tradição musical da região e preservam documentos trazidos de outros pontos do Brasil.
Sabe-se que a vida musical nas Minas Gerais e no Brasil do século XVIII era rica e intensa, em grande parte por causa das necessidades da liturgia católica. Cada vila pouco mais importante tinha seus compositores e suas corporações que reuniam cantores e instrumentistas. Mas a diminuição das riquezas, durante o século XIX, foi fatal para estas vilas e corporações: as vilas ficaram estagnadas em sua vida passada, quando não regrediram até o desaparecimento, e as corporações, por perderem sua função religiosa e social, deixaram de existir. A perda desta função causou o desaparecimento de antigas corporações também em vilas que tiveram certo grau de crescimento material, mas onde a preocupação com o fato cultural tornou-se secundária.
Hoje, graças a estudos musicológicos mais aprofundados, pode-se aquilatar o que foi este movimento musical e sabe-se o valor de compositores como Emerico, João de Deus, Manoel Dias, Jerônimo de Souza Lobo, Santos Cunha e muitos outros.
São João del-Rei foi caso raro: os dois grupos tradicionais da cidade mantiveram-se vivos e atuantes até hoje, através da atividade de amadores que, no correr dos anos, tiveram consciência da importância da herança que recebiam de seus antepassados musicais (estes, profissionais) e lutaram para preservá-la. Em todos os dias do ano, as missas principais são acompanhadas por uma das duas orquestras, que mantêm os antigos contratos assinados com as irmandades religiosas. No que se refere à Orquestra Ribeiro Bastos, ela está presente em duas missas semanais na Matriz do Pilar (da Irmandade do Santíssimo e da Irmandade de Passos) e na grande missa dominical da Ordem Terceira de São Francisco, além de responsabilizar-se pelo serviço musical de diversas novenas (Carmo, São Francisco, Cinco Chagas, Conceição) e de todos os ofícios da Festa de Passos e da Semana Santa. Esta é, sem dúvida, a época mais rica do calendário musical da cidade, uma vez que até hoje são cantadas não só as Missas Solenes, mas também cada Via Sacra, o Ofício de Ramos, os três Ofícios de Trevas, as Paixões, o Ofício de Páscoa, as procissões, perfazendo algumas centenas de obras e enorme tempo dedicado com amor à música sacra.
A Orquestra Ribeiro Bastos é, antes de tudo, uma função: ela deixaria de existir se não estivesse respondendo a uma necessidade religiosa e cultural. Seus membros, todos amadores, dedicam seus dias às mais diversas ocupações e guardam seu tempo livre para ensaios e participação em cerimônias religiosas. Por isto mesmo, nem em São João del-Rei nem em outros lugares onde vá, esta corporação não pode ser ouvida como uma orquestra de concertos. E parte da vida e da cultura daquela cidade e de Minas. Hoje como há duzentos anos atrás. E grupo que se esforça por manter viva a tradição, que busca construir repertório recuperando esta mesma tradição, que se preocupa em manter viva a chama (daí o esforço pedagógico desenvolvido pelo grupo, para preparação daqueles que farão a orquestra futura) e que, vez por outra, sai de sua cidade para dar a conhecer a maior número de pessoas algumas das preciosidades de seu acervo. Preservando não apenas papéis, mas também uma tradição interpretativa, certamente bem próxima da maneira como seu repertório era tocado no passado.
O AUTOR
Antônio dos Santos Cunha é, sem dúvida, uma das figuras de proa da música colonial brasileira, merecendo ter seu nome colocado ao lado dos de José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, Jerônimo de Souza Lobo, Padre João de Deus de Castro Lobo e Padre José Maurício Nunes Garcia.
Criador de tal importância, é estranho que as referências biográficas sobre este compositor sejam raras e pouco elucidativas. Até o momento não se conhece seu local e data de nascimento. Por suas ligações com a Ordem Terceira do Carmo e com a Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos de São João del-Rei, que só admitiam brancos, pode-se deduzir que Antônio dos Santos Cunha era branco, e não mulato, como a maioria dos grandes compositores seus contemporâneos. Mas não se sabe se ele era português ou brasileiro de nascimento.
A referência mais antiga sobre este compositor aparece em 1786, a propósito da venda de uma resma de papel para a Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte. Mais tarde, em 1800, 1801 e 1805, respectivamente, há anotações sobre sua admissão na Ordem Terceira do Carmo e na Irmandade dos Passos e registro de venda de um "livro" para a Irmandade de São Miguel e Almas. No livro de pagamento de anuidades da Ordem Terceira do Carmo encontra-se, em 1815, menção de que o compositor encontrava-se "auzente pº Lisboa". Não se sabe quando e onde ele veio a falecer.
Sua produção conhecida é muito menor que a de seus contemporâneos citados anteriormente. Conhece-se dele, além de uma coleção de peças curtas do gênero "solo ao pregador" (atribuição, pois não há nome de autor nas partes), uma Novena de Nossa Senhora da Boa Morte, os Responsórios para os Ofícios de Trevas, o Credo a 5 vozes, a Missa Grande e esta Missa a 5 vozes. Dos Ofícios de Trevas, existem nos arquivos da Orquestra Ribeiro Bastos duas partituras autógrafas, uma escrita para vozes, duas trompas e cordas, e outra, provavelmente posterior, com modificações de orquestração devidas ao acréscimo de uma flauta e uma clarineta.
INTEGRANTES DA ORQUESTRA
VIOLINOS I
Geraldo da Costa Lima Alfaiate
Genésio Zeferino da Silva Comerciante
Jorge Chala Sade Comerciante
José Valdir Fonseca Ferroviário
Luiz Antônio Braga Estudante
Milton Couto Industriário
Paulo R. de Miranda Filho Estudante
VIOLINOS II
Carmelita Neves Damasceno Do lar
Geraldo Evangelista da Silva Estudante
Geraldo Paulo Passos Ferroviário
Lígia Veloso Fich Estudante
Lúcia Souza Gomes Do lar
Luzia Parreira Do lar
Marílio de Andrade Miranda Estudante
Mário de Carvalho Silva Advogado
Paulo Moreira Militar
Ruth Moreira Neves Funcionária Pública
VIOLAS
Adilson Santos Estudante
Aparecida Alves Do lar
Cecília Moreira Neves Funcionária Pública
Eclésia Maria de Oliveira Professora
VIOLONCELOS
Anacleto G. Pimenta Estudante
Antônio Amado de Carvalho Contabilista
Regina Maria de Andrade Estudante
CONTRABAIXOS
Abílio Raymundo da Silva Músico Militar
William Claret Magalhães Estudante
FLAUTAS
Joaquim da Rocha Professor
Maria Salomé de R. Viegas Estudante
Maria Amélia de R. Viegas Estudante
Nilson P. Castanheira Professor
OBOÉS
Raimundo Nonato dos Passos Estudante
Rubens Farnese Bancário
CLARINETAS
João Bosco d'Assumpção Estudante
Wilson de Oliveira Tipógrafo
TROMPETES
Hercy Alves de Aquino Professor
José Antônio da Costa Pintor
TROMPAS
Francisco Gomes Damasceno Músico Militar
Ubiratã Vale B. Braga Músico Militar
TROMBONES
João da Conceição Vallin Bombeiro Hidráulico
José Santana de Carvalho Músico Militar
BOMBARDINO
Claudionor S. Lopes Datilógrafo
SOPRANOS/SOPRANOS
Alcina do Carmo M. Rezende Professora
Anália Silva Costureira
Conceição Aparecida L. Silva Estudante
Diva Alves Gráfica
Elza C. Magalhães Operária
Eneida Hilário Funcionária Pública
Fátima Batista Lopes Estudante
Maria Stella Neves Vaile Professora
Selma Regina da Silva Braga Enfermeira
Yara Vale B. Professora
CONTRALTOS
Alzeni Zanetti Bahia Modista
Anna Maria N L. Parsons Hoteleira
lElizabeth Natalina de Carvalho Costureira
Maria Martha M. de Rezende Estudante
Mercês Bini Couto Professora
Nilcéia Neves Enfermeira
Nilza Andrade Operária
Sônia Maria da Silva Secretária
Suely Aparecida C. Franco Estudante
Tânia Aparecida Magalhães Secretária
Valentina Machado Professora
TENORES
Antônio Ávila Professor
Antônio G. dos Reis Alfaiate
José Eugênio Ferreira Eletricista
José Raimundo de O. Ávila Professor
Luiz Carlos Ferreira Eletricista
Miguel Randolfo Ávila Escultor
Reginaldo A. dos Passos Estudante
Valtencir Aparecido da Silva Funcionário Público
BAIXOS
Alberico Zanetti Neto Funcionário Público
Antônio Fernando Ferreira Pedreiro
Ary Rodrigues Professor
Edmundo da Silva Filho Ferroviário
Ely Henriques Barbosa Funcionário Público
Leone Neves Lombello Estudante
Luiz Fernando Sacramento Secretário
Manoel Clóvis Paulino Militar
Nery Rodrigues Contin Professor
Sérgio Luiz da Silva Enfermeiro
Tarcísio Camelo da Silva Estudante
Vicente Valle Cabeleireiro
REGENTES
José Maria Neves Professor
Maria Stella Neves Valle Professora
MÚSICA SACRA NO CAMPO DAS VERTENTES
A Fundação Roberto Marinho, em convênio com a Xerox do Brasil e a FUNARTE — Fundação Nacional das Artes, desenvolve o projeto "Música Sacra no Campo das Vertentes", que estimula e leva apoio às antigas orquestras da região de São João del - Rei, que, ao longo de quase dois séculos, vêm mantendo viva e presente a música sacra de Minas Gerais, produzida nos séculos XVIII e XIX. Entre outras iniciativas, o projeto criou cursos de música na região e um núcleo de Documentação Musical que reúne o acervo de microfilmes com partituras desse período. O projeto inclui, também, a restauração das sedes das orquestras.
OURO PRETO MONUMENTO MUNDIAL
A 21 de abril de 1981, quando Ouro Preto recebia o título de Monumento Mundial, o Governo do Estado de Minas Gerais e a Fundação Roberto Marinho prestaram homenagem a Amadou-Mahtar M'Bow, Diretor Geral da UNESCO, com um concerto da Orquestra Ribeiro Bastos. Este concerto, que tinha por objetivo ligar a música setecentista mineira àquela celebração, incluía obras curtas de José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, Jerônimo de Souza Lobo e Padre João de Deus Castro Lobo, além da primeira audição integral contemporânea do concerto da Missa a 5 vozes, de Antônio dos Santos Cunha. Mostrando esses momentos de criação mineira setecentista, a Orquestra Ribeiro Bastos de São João del-Rei — uma das raras corporações musicais do século XVIII ainda atuantes — mostrava-se como exemplo concreto de notável fenômeno de sobrevivência cultural. Excepcionalmente, a orquestra contava com a participação de quarteto vocal estranho a seus quadros, justificando-se o fato pelo desejo de render homenagem ao Conservatório Brasileiro de Música em seu 45º aniversário. Na Missa Solene comemorativa deste aniversário, dias depois, na Antiga Sé do Rio de Janeiro, foi repetida a execução da Missa de Santos Cunha, com os mesmos solistas, todos ligados ao Conservatório Brasileiro de Música. Este disco documenta o concerto realizado em Ouro Preto, limitando-se, por razões práticas, à obra de Santos Cunha. Com este disco, a Orquestra Ribeiro Bastos dá continuidade à sua proposta de registros fonográficos, direto e sem retoque, de seu repertorio, em realização que tem como maior mérito o fato de constituir-se em verdadeiro documento musicológico.
JOSÉ MARIA NEVES