top of page
bg_tacape_edited_edited.jpg

Fontes culturais da música em Goiás 1 - Música Indígena

Aldeia Xavante Areiões, Aldeia Xavante Pimentel Barbosa, Aldeia Krahó Pedra Branca e Aldeia Karajá Santa Isabel   

Track NameFontes culturais da música em Goiás 1 - Música Indígena
00:00 / 01:04

Pesquisa, documentação e gravação de som realizadas em fevereiro de 1975, setembro de 1979, julho a outubro de 1982 por Mari de Nasaré Baiocchi (Gravadores National e Aikol. Montagem da fita realizada. no Estúdio TacapeSP, nos dias 30 e 31 de outubro de 1982. Montagem e supervisão da edição: Conrado Silva. Fotografias: Ary Alencastro Veiga e Mari de Nasaré Baiocchi. Arte Final: Ary Luiz Bom. Filmes da Polychrom. Produção: Mari de Nasaré Baiocchi. Edições Tacape (Caixa Postal 112 — 36300 — São João Del-Rei. Brasil. 1983.

Capa e Encarte

Textos do Encarte

FONTES CULTURAIS DA MÚSICA EM GOIÁS — 1

Música indígena

TACAPE — Série EtnoMusicológica — mono — T009  


FACE A

Uywedenõ're (canto após a corrida de Buriti)         1'51"

Dadzarõno 1 (canto da manhã)                         1'30"

Dadzarõno 2 (canto da manhã)                         3'57"   

Componentes da Aldeia Xavante Areiões     

 

REYREWA {canto de homem e mulher juntos) 3'22"   

Componentes da Aldeia Xavante Pimentel Barbosa                              

 

Canto de Caçada                                             1'14"   

Canto do Mel                                                  2'28"

Canto da Siriema                                            2'29"   

Componentes da Aldeia Krahó Pedra Branca



FACE B

Imitação (Aruanã)                                34"

Evocação ao povo da água (Aruanã)     1'26"

Canto do Aruanã 1                               57"

Canto do Aruanã 2                               1'01"

Canto do Aruanã 3                               1'44"

Canto do Hetohocã: Fragmento 1         1'11"

Canto do Hetohocã: Fragmento 2         2'41"

Canto do Hetohocã: Fragmento 3         3'48"

Canto do Hetohocã: Fragmentos 4, 5 e 6 3'01"

Lamento                                              4'52"

Componentes da Aldeia Karajá Santa Isabel   



O interesse da Universidade de Goiás na preservação da memória cultural goiana está na origem da edição desta série de três discos, marco inicial da coleção FONTES CULTURAIS DA MÚSICA EM GOIÁS.


É importante ressaltar dois aspectos fundamentais desta realização: por um lado, tratase de ação concreta com vistas à difusão de trabalhos realizados por pesquisadores ligados à universidade e, como tal, análoga à publicação de monografias e teses; por outro lado, com exceção das modinhas goianas gravadas em auditório convencionai, o material aqui reunido foi recolhido em diferentes momentos de exaustiva pesquisa antropológica, sem intenção de montagem de disco. Apesar de alguma imperfeição técnica, optouse por utilizar estas gravações realizadas no curso da pesquisa de campo, conservandolhes todas as características de documentos de trabalho, sem maiores manipulações de estúdio. No caso da documentação indígena e negra, de dezenas de horas de registro direto de diferentes manifestações musicais, foi feita uma seleção de momentos que, se não cobre toda a realidade, pode dar flagrantes de algumas de suas facetas.


A coleção FONTES CULTURAIS DA MÚSICA EM GOIÁS compõem-se, em sua fase inicial, dos discos Música Indígena, Música Religiosa em Comunidades Negras e Modinhas Tradicionais.


Os méritos da pesquisa e dos registros cabem, exclusivamente, à antropóloga e professora Mari de Nasaré Baiocchi e à cantora e professora Maria Augusta Calado, que assinam os textos analíticos nos encartes dos discos.


MARIA DO ROSÁRIO CASSIMIRO

Reitora da Universidade Federal de Goiás

 


UFG/SESU  MEC

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO



POR RESPEITO AOS POVOS INDIOS, FICA PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE MATERIAL.



MÚSICA INDIGENA

 

ONDE ESTÃO?  

Povos índios diversos viviam da caça nas florestas, do mel das colmeias, do peixe, frutos e do produto de suas roças. Em clareiras nas matas, ilhas ou beiras de rios, erguiam suas Aldeias, às vezes temporárias, pois simbióticos à natureza, respeitavam-na e não a exauriam, muito pelo contrário poupavam-na. E, ali, a vida brotava no ser que nascia, na arte de hábeis mãos que teciam, trançavam, modelavam o barro e se reproduzia para sempre no amor, nas tradições e nos rituais. ...


E chegou o homem branco, com índios catequizados e negros para abrir-lhes caminhos e servirem de besta de carga. As crônicas da conquista registram os fatos das "guerras justas" — bandeiras que serviam de escudo à matança realizada — e da catequese.


"As guerras de extermínio que fizeram desaparecer numerosas nações guerreiras, restando delas apenas os nomes por que eram conhecidas, comparam-se aos terríveis episódios das crônicas castelhanas sobre a descoberta do Peru. Os paulistas, aventureiros e mamelucos, por ordem dos governadores, sempre que havia ordem régia safam para fazer guerra aos índios__ Nunca tantas e tamanhas barbaridades foram cometidas à sombra da civilização e do direito de catequese!" (1)


A rota do povoamento vai submetendo povos e desarticulando a vida até então feliz no território "goiano". O Avãtanoeiro descendo o Tocantins em USAS (canoas) velozes. O Karajá habitando a Ilha do Bananal e outras terras que margeiam o Araguaia (28 aldeias de Aruaná' e Xambioá). O Javaé, seu vizinho e parente, transmitindo conhecimentos de sua medicina. O AcuenXavante ao norte, Kaiapó e Bororo ao sul, Xerente e Xerente de Ouá ao longo do Tocantins Apinayé, Capepuxis, Coroa, Temimbós, Tapirapé, Gradaú, Tessemedú, Amadú e Guaya'Guassú, Crixá e Araé, Acroá e Chacriabá. 12) Onde estão?

 

XAVANTE  

Após muitas lutas em defesa do seu território, os Xavante foram aldeados Aldeia Carretão de Pedro Terceira Porém ainda no século XIX, cruzam as terras goianas, internando-se no sertão matogrossense. Constroem uma nova vida. Na década de 40 (expedição chefiada pelo sertanista Francisco Meireles), fez-se o segundo e definitivo contato com o branco. Hoje, as Aldeias Pimenta" Barbosa, Areiões, Couto Magalhães, São Marcos, Sangradouro, Namakurá, N.S. Aparecida, São José, D. Basco, Coluene e Carretão abrigam uma população de mais de 3.500 habitantes. O Xavante, chamado Povo Autêntico  AUWÊ UPTABI (3), preserva suas tradições. Constrói as Aldeias, às vezes acampamentos de pouca duração, mantendo sua orientação pelo curso d'água principal e não pelo sol. Em forma de ferradura, sempre construídas às margens de um curso d'água grande ou na confluência deste com um menor, no cerrado, distantes 1 km da mata. No centro da Aldeia está o WARÃ — espaço de vida social, de decisões mais importantes, ritos e festas.


Em 1975/1979, em Areiões e Pimentel Barbosa, mantivemos contatos com rituais e festas, pois, amigos de há mais tempo, não nos foi difícil estar perto e mesmo participar de suas reuniões.


1º/02/1975. São 17 horas. Inicia-se a Corrida de Buriti, (4) onde não há vencedores nem vencidos, apenas os que correm mais e melhor. Esta corrida, com toras de buriti (palmeira) de 80 a 90 quilos, passando de ombro em ombro dos corredores, assemelha-se a uma corrida de estafetas e é praticada também por mulheres (toras de 40 a 50 quilos, num percurso de 4 a 5 quilômetros) quando os homens estão caçando. Os homens a realizam durante o período das chuvas e em festas particulares. Para o Xavante, a corrida de buriti serve para dar alegria e felicidade e, como o "tempo não pode ficar parado, nem pode permanecer sem movimento", faz-se a corrida. Mais simples e com menos preparativos que outras festas, realiza-se com mais intensidade. (5)

 


UYWEDEÑÕ’RE

Os grupos chegam da corrida, sentam-se no chão, descansam tocando as maracas e cantando... Após o descanso, reúnem-se no WARÃ (centro da Aldeia), de mãos dadas os contadores confraternizam-se dançando e cantando o UYWEDE. Os movimentos cessam com a chegada das mulheres trazendo TSA DA 'RÉ (bolo de milho), milho assado e melancias.



DADZARONO

O sol está alto. 6 horas. Os WAPTÉ (adolescentes) lutam com os grandes para ficarem fortes. Os velhos observam, depois reúnem-se no WARÃ. O TAYADZE RE (padrinho) do WAYA —culto principal, xavan te — discursa, alguns opinam sobre a escolha de WAYA novas — iniciantes.


Após a escolha reúnem-se em círculo, padrinhos e iniciados para o DADZARÕNO — de mãos dadas, cantam e batem o ritmo unindo e desunindo os calcanhares, com as pernas sempre curvas.


E, tudo é alegria!


Sessenta e oito pessoas; entre homens, mulheres e crianças interpretam o último canto Xavante, REY REWA. Ao perguntar como se intitulava Sipasé respondeu-me: "Quando está sem graça (o tempo), triste, cantam para alegrar", ou quando "a lua está bonita o xavante canta"...


Os cantos e danças Xavante estão intimamente ligados. Seus cantos não são fixos, em sua maioria são canções em um tempo determinado, par ocasião de rituais. O ritmo dos cantos pouco muda, a letra é variável.

O Xavante diz que a composição de um canto nasce de um sonho:


"Com o sono eu sonho, durmo e sonho

Os outros vão cantando.

Eu sonho para tornar felizes os outros

que cantarão meu sonho

Outros cantam no sonho

e eu durmo e sonho o que outros cantarão (6)


A Aldeia Pimenta' Barbosa, situada em uma clareira onde se avista a Serra do Roncador, foi governada por muitos anos por Apowê — "estadista notável e grande guerreiro, que lutou incansavelmente pela defesa de suas terras". (7)


Hoje Warodi — filho de Apowê é o chefe de seu povo. Ao seu lado, estão muitos outros, Wadzé, Sidawi, Siriburã, Surupredo, que se unem no WARÃ para as reuniões, práticas rituais e festas, e tudo fazem para preservar seu povo, sua cultura.



KRAHO (8)  

Suas 7 aldeias dispersam-se pela Kraolândia e têm formato circular. Ultrapassam 800 pessoas. Agricultores, caçadores e coletores. As Aldeias, Pedra Branca, São Vidal, Pedra Furada, Galheiros, Santa Cruz, Cachoeira, Morro do Boi (mestiços) ocupam lugares estratégicos em seu território, para evitar invasões.


Os Krahó também praticam a corrida de buriti. Os seus cantos e danças diferem dos do Xavante: em cada composição mudam não somente a letra como também o ritmo. E, na melodia, conseguem transmitir sons só emitidos pelos irmãos da selva (todo aquele ser vivente que colabora para a existência). O Canto do Mel, aqui reproduzido, assemelha-se ao zumbido das abelhas.

Parri Penõ, chefe da Aldeia Pedra Branca, descreve os cantos (1979).

Cantos de Caçada "quando vão (os Krahó) caçar cantam até amanhecer, quando amanhece, vão caçar."

Canto do Mel, Dança do Mel "quando vão caçar abelha, cantam esta cantiga, amanhã vão caçar".

 

KARAJÁ     

Habitando hoje a Ilha do Bananal (Aldeias de Sta. Izabel, Fontoura, Macauba , Xambioá, Aruaná; com remanescentes em Cocalinho e Luiz Alves entre outros, junto aos Javaé (margem do rio Javaé), os Karajá representam os habitantes do Araguaia, descritos desde os primeiros conquistadores — séculos XVI e XVII. Sua história, rua cultura têm sido alvo de estudos, muitos deles já publicados (9), porém o universo indígena no tempo e no espaço e sua sabedoria milenar colocam-nos sempre na posição de aprendizes.

 

HETÔHOKÃ (Festa da casa Grande)

Maluaré, chefe de Sta. Izabel, diz ser o "Hetôhokã", festa dos meninos que estão ficando grande". Festa de iniciação dos jovens, reaviva na mente dos que a ela assistem certas noções fundamentais: o respeito ao sobrenatural, a ideia de que as mulheres não devem interferir na Casa dos Homens (10), o papel da família, a importante posição da mulher, contam ainda histórias que não devem ser esquecidas... Do cerimonial, que dura 4 meses (outubro a fevereiro), participam meninos de 12, 13 anos e também homens.

 

ARUANÃ

Dança de máscaras, realizada na estação chuvosa, para a qual os homens vestem roupas próprias. Às mulheres é vedada a participação (apenas fazem alimentos para o ritual), inclusive a entrada na casa de Aruanã'.


Aruanã exerce influência no grupo, "ele protege e castiga, não gosta de desrespeito. Grande segredo, não se pode revelar"; diz Maluaré.




As gravações aqui reproduzidas não estavam destinadas à divulgação e, por conterem descrições e ruídos, sofreram cortes, imprimindo-lhes certa descontinuidade melódica, que as aproximam mais de excertos de música, no caso, música de povos índios — Xavante, Krahó, Karajá.


Dedico este trabalho aos amigos índios que sempre me receberam e me ensinaram, à medida que consegui penetrar no seu universo cultural. Agradeço-lhes as muitas vezes que hospedaram a minha família (marido, filhos e genros) e meus amigos que me acompanhavam.


Agradeço ao Delegado da 7ª. Delegacia da Fundação Nacional do Índio, Sr. Ivam Baiocchi, a inestimável colaboração.


Agradeço àqueles que colaboraram, de alguma maneira, neste trabalho:

Ornar Carneiro (pesquisa do Areiões), Ismael Leitão e sua esposa Sarah, Luiz Elias Junior e Angela Dolores B. Elias (informações), Ary A. Veiga Filho (Fotografias), Odete Eid e Anie S. Germanos (assistentes de pesquisas). Agradeço ainda a Albertino e Iraci, Gaspar, Vianey, Paulo, Lira, Comandante Paluam e co-piloto Rocha. Especialmente Sandra e Dr. Claudio Borges.


MARI DE NASARÉ BAIOCCHI

 

Notas:

1.         Allencastre, J.M.P. de — Anais da Província de Goiás 11863). Pub. Governo do Estado de Goiás, 1979, p. 19

2.         Souza, Pe. Luiz A. Silva e — O Descobrimento da Capitania de Goyaz. UFG. 1967

3.         Giaccaria, Bartolomeu e Heide, Adalberto — Xavante — Povo

autêntico (AUINÉ UPTABI). Ed. Dom Busco. São Paulo. 1972.

4.         Carneiro, O. — Níveis de Unidas sanguíneos em diferentes Po

pulações Brasileiras, Sep. Arq. Bras. Cardiol. 32/6. 365365. Julho 1979.

5.         B. Giaccaria e A. Heide op. cit.

6.         Ibid.

7.         Depoimentos do Sertanista Ismael Leitão e sua esposa D. Sarah Leitão. 1978.

8.         Mellati, J. C. — O messianismo Krahó. Ed. Herdar, USP. São Paulo. 1972,

9.         Bibliografia para estudos do Indígena — 6a. Região Cultural. Pub. mirneo. SUPAC. Goiânia. 1975.

10.       Fenelon Costa, Maria Luiza — A Arte e o artista na Sociedade Karajá. Pub. FUNAI. Brasília. 1978.

 

A grafia das palavras em Xavante seguiram B. Giaccaria e A. Heide, op. cit.

A grafia das palavras em Karajá seguiram M.L.F. Costa, op. cit.

 



EXPLICAÇÕES DOS CANTOS KARAJÁ


Colaboração de Waritatsi

1.         Jovens imitando outros índios, brincando.

2.         Canto do povo que vivia na água. Cantam no Hetohoci ou no ARUANÁ". A alegria que existia nas águas.

3.         Os mascarados do Aruaná' contam a história de uma moça que começou a gostar de muitos homens; perguntaram-lhe: Seu pai que assim a aconselha?

Os cantores proclamam o que todos sabiam, menos os interessados  os pais.

4.         Os mascarados continuam, dirigindo-se à moça: "já que ela vive naquela vida não deve ter vergonha de ninguém".

5.         "Apesar de viver na casa da mãe fingindo, saiu com rapaz ficou com medo e deixou a esteira (testemunha)."

6 e 7     Canto do Pai da Mata. Quando se prepara para atacar "canta".

8.         Cantam repetindo o modo antigo da tribo sorrir. Revivem a História Tribal.

9.         Fragmento 4. "Oberil viajou, aprendeu cantiga de outro lugar, trouxe para a Aldeia. Karajá aprendeu e cantou na Festa".

Fragmento 5. "Esta música foi inventada por um Cacique velho". Tem o nome de Hariça (Paca lombo de folha). Fragmento 6. Aruaná aparece. Gritos...

10.       De suas mãos nasce um pote de argila, de sua boca saem lamentos que vem do coração... "Ele (o sobrinho) não ouviu seus conselhos, casou-se com uma moça de outro lugar. Apanhou da 1a. família (mulher, sogra etc.). Triste, bebeu muito e jogouse no Berohoci". Os lamentos da tia ecoam na Aldeia silenciosa e muda, respeitando sua dor.

Mulheres Krahó



MINAS DOS GOYAZES - GOYAZ - GOIÁS (1)

Condições históricas peculiares, a distância da Costa, do Poder Central, dos centros de abastecimento e sua posição mediterrânea preservaram o patrimônio cultural ancestral e o legado dos povos índios, brancos e negros, no Estado de Goiás, apesar da destruição realizada "na busca de riquezas", ontem e hoje.


Há 10.000 a.C., quiçá mais, em seu território, caçadores usavam o arco e a flecha. Moradores de grutas e abrigos nas rochas, agricultores do machado de pedra lascada ou polida, construtores de aldeias deixaram mensagens  as pinturas, os petroglifos (2). Escreviam no livro da vida a sua história.


As crônicas e documentos da conquista de seu território, desde as primeiras incursões onde sobressaem os Jesuítas até a colonização e ocupação definitiva no século XVIII  realizada pelos Bandeirantes paulistas, Bartolomeu Buena da Silva e João Leite da Silva Ortiz atestam a extensão de seu povoamento. Nos mapas, os conquistadores localizam grupos tribais em todo o território goiano, a terra está ocupada, porém objetivos outros (o minério, as pedras preciosas, braços para o trabalho escravo) geram no branco a determinação, a coragem de rasgar caminhos, transpor serras e rios caudalosos, enfrentar feras e matas escuras, onde a qualquer momento terão que se haver com os seus habitantes  realizam a Epopéia Bandeirante.


Os primeiros arraiais são iniciados  centros de garimpo da empresa mineradora: Arraial da Barra, Minas de Nossa Senhora de Santana de Vila Boa, Ouro Fino, Ferreiro, Anta, Santa Rita e Meia Ponte (3). A fé comparece, erguem-se as capelas, depois as igrejas, onde o índio e o negro que aqui veio como escravo para trabalhar na mineração, sobressaem como artífices de um colonial genuíno, despojado: Igreja da Boa Morte, Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (4).


A Província Goiana, com as Províncias de Minas Gerais, de Mato Grosso, da Bahia e uma parte da Província de São Paulo, compõe a região mineradora que, a partir do século XVIII, domina a economia nacional, atendendo aos interesses d'Além mar  Portugal, Inglaterra...


O povoamento e a colonização prosseguem violentos e audazes, a sede do ouro move a todos. "A economia das minas provoca a imigração de milhares de pessoas para o Brasil e para as regiões auríferas. Cada ano vêm nas frotas grandes quantidades de portugueses e estrangeiros, para as minas das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil; vão brancos, pardos e pretos, e muitos índios, de que os paulistas se servem. A mistura é de toda condição de pessoas: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares, clérigos e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil convento nem casa" (5).


No século XIX, após a mudança do eixo econômico para a agropecuária, incrementa-se o processo de ruralização. Os arraiais são abandonados, embora desde o início não tenham constituído centros urbanos definitivos: "O povo andava flutuando como um navio impelido pelo vento; quando se descobria uma mancha ou pedreira rica de ouro, corria àquele lugar imensa gente de todas as cores... e desaparecia, apenas o metal também se acabava ou a sua extração era dificultosa... No Distrito de Pilar existiam mais de 9.000 escravos, no dia de hoje toda a sua população... monta a menos de 3.000 almas, inclusive os escravos" (6).


E assim, despovoa-se o meio urbano, agonizam as vilas e povoados  "os arraiais da Barra, Santa Rita, Ferreiro, Ouro Fino e outros são montes de ruínas, a cidade mesmo (Vila Boa, a capital já foi mais extensa e populosa)" (7). O processo de ruralização efetiva a verdadeira conquista territorial. Grupos de famílias internam-se no sertão e fixam-se em grandes e pequenas unidades produtoras  as fazendas de criação, as roças e os sítios. A agricultura de subsistência e o criatório expande-se. O norte goiano mantém a primazia no criatório, milhares de cabeças de gado vacum e cavalar são criados à larga. Já a lavoura privilegia o sul.


O contratador, o mineiro, o faiscador desaparecem do cenário, o escravo continua_ e com ele o roceiro, o agregado, o camarada, o sitiante, o parceiro, o fazendeiro, o coronel, acompanhando a substituição das minas pela lavoura e a pecuária. A terra passa a representar o bem maior, instituem-se os muros de pedra e os regos para separação das propriedades. O criatório extensivo expande-se sem cessar  Nordeste, Noroeste, Centro e Sudoeste.


Nascem novos arraiais, seguindo um ciclo evolutivo mais fixo à terra goiana com tendência a perdurar, o que em muitas vezes não aconteceu na mineração. Levas de paulistas, mineiros, baianos... aqui vêm se instalar. A população de 53.322 habitantes em 1804, chega a 255.000 em 1900.


O movimento antiescravista agita o meio urbano e leva a mulher a realizar saraus para a liberdade. Os Partidos e organizações incrementam-se. Nascem jornais (Almanach, 1886), escolas (O Lyceu, 1847), teatros, conjuntos orquestrais, bandas de música, bibliotecas, faculdades.


Publicam-se livros, surge a literatura regionalista (8), refletindo a realidade cultural... O eito, o garimpo, o folclore, o coronel, o lavrador. As três primeiras décadas do século XX representaram um marco na cultura goiana. Mais jornais, revistas, saraus literários. Discussões nas Faculdades. Movimentos Políticos. Revolução de 30... E mudam a capital. Goiânia, inaugura-se em 1942. Funda-se o Museu Zoroastro Artiaga, o Departamento Estadual de Cultura (1946). Surgem as Universidades...


Documenta-se a memória histórica, delineia-se, e registra-se a cultura goiana.


Novos surtos migratórios: árabes, alemães, italianos, suíços, japoneses, russos, poloneses, tchecoeslovacos, húngaros... vêm contribuir na nossa formação cultural...


Goiás de portas abertas!


Nesse cadinho de povos vários, de mesclada procedência, faz-se a miscigenação biológica e cultural, nas margens do Berohoci (9), Tocantins, Paranã. No Mato Grosso goiano, nas serras e vales, nos aldeamentos, arraiais e vilas... Goiás - amálgama de povos índios, negros e brancos.


Nos seus quase três séculos de existência (1722), gera o homem da terra: mamelucos, mulatos, cafusos, cabra e o tipo pardo, o tipo goiano, e conserva ainda seu primitivo dono, o indígena, nos aldeamentos Karajá, Xerente, Apinayé, Krahó. E, nos platôs e vales de suas serras e chapadas, guarda os descendentes dos filhos d'África. Gera a cultura, a cultura da terra, que este pequeno retrato não poderá sintetizar... sara um dose apenas...


Duzentos e vinte e três municípios formando uma sinfonia cromática entrelaçam culturas. O calendário de 365 dias torna-se pequeno para as multifacéticas manifestações de suas tradições, seu folclore.


As Folias de Reis, Festas de São Sebastião iniciam o ano, preâmbulo para o carnaval e o retraimento da quaresma, pois as mulas sem cabeça, os Romábzinho 110) andam soltos. É preciso ter cuidado! Rezar e benzer (11).


As matracas, no seu tac-tac, anunciam a Semana Santa (cidade de Goiás). De maio em diante, quando a brisa esfria, o céu aparece mais, os dias se perdem entre o desmaiar do sol e o nascer da lua, a maior colheita está feita e os lavradores da terra e do gado podem entrar em intermezzo necessário para recobrar energias e outras coisas mais: começam as Novenas para Nossa Senhora, Santo Antônio (das moças solteiras), São João e São Pedro. Folias do Divino, Desobrigas, Cavalhadas, Congadas, Contradança e as Romarias: Trindade 105/071, Bonfim, Muquém, da Lapa, Terra Ronca, das Almas, D'Abadia e infinidades delas menores em grandezas.


E o Divino seja louvado!


Nas romarias, assiste-se ao encontro de milhares e milhares de pessoas, devotos contritos pagando promessas, pagando apostas, trocando mercadorias  hábito de sociedades agropastoris (as feiras do medievo?).


Praças, templos, grutas, campo aberto, matas, tudo se transforma. Erguem-se abrigos provisórios, barracas de todos os tipos e tamanhos, e o comércio intensifica-se: troca-se ou vende-se de tudo nos butecos e quiosques improvisados ou particularmente  mascates, doceiras, quitandeiras...


Os romeiros chegam do norte, sul, leste, sudoeste e nordeste goianos, como também da Bahia, de Minas e de outros Estados..,


Nasce uma cidadela! E, naqueles dias, só entra em pauta a vida que ali se instala. O Sagrado e o Profano se intercalam, os ritos se sucedem: batismos, crismas, noivados, casamentos e... mesmo morte. Ao lado da liturgia e dos cânticos religiosos, os fogos estouram, a viola e a palma marcam a catira. O tambor, a russa, as rezas. Comerciam, dançam e amam!


E eis o retrato possível!


MARI DE NASARÉ BAIOCCHI

 

Notas:

1. Denominação dada ao atual Estado de Goiás.

2. Baiochi, M. N. -  Inventário Arqueológico do Estado de Goiás. Oriente. Goiânia. 1972.

3. Teixeira, Amália Hermano  - História de Goiás. In: Enciclopédia Delta Larousse. Rio de Janeiro. Delta, 1960, v. 6, p. 3099-4001.

4, Baiocchi, N.  Inventario Arqueológico do Estado de Goiás. Oriente. Goiânia. 1972.

5. Antonil, André João  Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e Minas. Rio de Janeiro. Cons. Nac, de Geografia. 1967.

6. Manos, Rayrnundo José de Cunha -  Chorografia Histórica da Provinda de Goyaz. Lide, Goiânia. 1979.

7. Ibid.

8. Ramos, Hugo de Cervainc. - Obras Completas, Coleção Panorama da Literatura, sled. v. 3. São Paulo. 1949.

9. Uma das denominações do rio Araguaia (Taraiái.

10. Lacerda, Regina  Seleção. Antologia Ilustrada do Folclore Brasileiro. Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso, 2a. ed. Edigraf Ltda. p, 80. s/d.

11, Mota, Atiro Vila-sBoas da  Rezas, Uivará/1as Et Cétara. Oriente. Goiânia. 1977.


Pró-Reitoria de Extensão e Cultura | UFSJ

Programa de Extensão Sons das Vertentes | 2023
Departamento de Música

Logomarca da Universidade Federal de São João del Rei
Logomarca da Pró-Reitoria de Extensão
Logomarca do departamento de música da UFSJ
bottom of page